No livro/filme "Clube da Luta" o
personagem principal sofre de uma terrível insonia. Ele encontra a
solução pra esse problema frequentando diversos grupos de apoio.
Parasitas do Sangue, leucemia, parasitas do cérebro, câncer nos
testículos... Pra cada dia da semana um grupo de apoio diferente.
Obviamente, ele não sofre de nenhuma dessas mazelas, ele apenas vai
lá pra chorar. É nos seios de Bob, um homem corpulento, eunuco por
conta do câncer nos testículos, que nosso personagem derrama sua
alma em lágrimas. Curiosamente, depois de se derramar em lágrimas
nos seios de Bob, pela primeira vez nosso herói consegue dormir como
uma criança. Depois dessa experiência libertadora, ele voltará
pelos próximos 2 anos, para chorar nos seios de Bob. Vai lá fingir
ter câncer nos testículos pra poder dormir em paz. Ele é um
farsante, mas um farsante que dorme como uma criança.
Um tempo atrás, um amigo de trabalho, num momento
de irritação me chamou de arrogante. Não com essas palavras cruas,
mas com outras palavras, um pouco mais cozidas. "Você se acha
melhor só porque fala bonito? Só por falar palavras difíceis?",
disse ele (curiosamente o motivo da irritação não tinha nada haver
com isso). Por um momento me senti mal. Me senti
culpado. Fiquei pensando na minha arrogância e soberba. Não imaginava que eu era esse "tipinho de pessoa"
que fala bonito/difícil.
Esse tipo de atitude é uma "cultura" no
meu ambiente de trabalho. Os marinheiros são famosos por serem
homens promíscuos, que brigam bêbados quebrando bares, arruaceiros,
amantes de várias mulheres, boêmios... Não é socialmente aceito nesse meio, amantes da literatura, de boa
música, ou de qualquer tipo de arte. Falar “difícil” é uma
ofensa ao vocabulário chulo de poucas palavras do homem do mar.
Perdi as contas de quantas vezes amigos foram pegos lendo uma
literatura qualquer (revista, jornal, livro) e foram indagados se era
pornografia. "Não se fazem marinheiros como antigamente",
dizem os mais antigos, "Na minha época marujo lia Playboy, não
livros".
Acredito que esse clima de "caça as bruxas"
não seja só privilégio nosso. Acabamos com um certo sentimento de culpa por
ter opções diferentes para ocupação da mente. Falar que leu um
livro, ou que viu um filme, ou ouviu uma música, ou que viajou pra
tal lugar, ou qualquer outra coisa que seja considerado cult...é
ser considerado "aquele tipinho de pessoa". De modo que, o
conhecer mais, ampliar horizontes culturais, ouvir novas histórias,
se torna quase que um crime. Sentimos vergonha de falar sobre as
viagens, museus, musicas, histórias... Pois antes de terminar a
frase seremos rotulados e depostos.
Nosso herói em "Clube da Luta" diz:
"Bob me ama porque pensa que meus testículos também foram
removidos". Acabamos como ele. Nos mutilamos pra sermos aceitos
e dormirmos melhor.