segunda-feira, 3 de junho de 2013

Mutilação de Testículos e Aceitação


No livro/filme "Clube da Luta" o personagem principal sofre de uma terrível insonia. Ele encontra a solução pra esse problema frequentando diversos grupos de apoio. Parasitas do Sangue, leucemia, parasitas do cérebro, câncer nos testículos... Pra cada dia da semana um grupo de apoio diferente. Obviamente, ele não sofre de nenhuma dessas mazelas, ele apenas vai lá pra chorar. É nos seios de Bob, um homem corpulento, eunuco por conta do câncer nos testículos, que nosso personagem derrama sua alma em lágrimas. Curiosamente, depois de se derramar em lágrimas nos seios de Bob, pela primeira vez nosso herói consegue dormir como uma criança. Depois dessa experiência libertadora, ele voltará pelos próximos 2 anos, para chorar nos seios de Bob. Vai lá fingir ter câncer nos testículos pra poder dormir em paz. Ele é um farsante, mas um farsante que dorme como uma criança.


Um tempo atrás, um amigo de trabalho, num momento de irritação me chamou de arrogante. Não com essas palavras cruas, mas com outras palavras, um pouco mais cozidas. "Você se acha melhor só porque fala bonito? Só por falar palavras difíceis?", disse ele (curiosamente o motivo da irritação não tinha nada haver com isso). Por um momento me senti mal. Me senti culpado. Fiquei pensando na minha arrogância e soberba. Não imaginava que eu era esse "tipinho de pessoa" que fala bonito/difícil.


Esse tipo de atitude é uma "cultura" no meu ambiente de trabalho. Os marinheiros são famosos por serem homens promíscuos, que brigam bêbados quebrando bares, arruaceiros, amantes de várias mulheres, boêmios... Não é socialmente aceito nesse meio, amantes da literatura, de boa música, ou de qualquer tipo de arte. Falar “difícil” é uma ofensa ao vocabulário chulo de poucas palavras do homem do mar. Perdi as contas de quantas vezes amigos foram pegos lendo uma literatura qualquer (revista, jornal, livro) e foram indagados se era pornografia. "Não se fazem marinheiros como antigamente", dizem os mais antigos, "Na minha época marujo lia Playboy, não livros".


Acredito que esse clima de "caça as bruxas" não seja só privilégio nosso. Acabamos com um certo sentimento de culpa por ter opções diferentes para ocupação da mente. Falar que leu um livro, ou que viu um filme, ou ouviu uma música, ou que viajou pra tal lugar, ou qualquer outra coisa que seja considerado cult...é ser considerado "aquele tipinho de pessoa". De modo que, o conhecer mais, ampliar horizontes culturais, ouvir novas histórias, se torna quase que um crime. Sentimos vergonha de falar sobre as viagens, museus, musicas, histórias... Pois antes de terminar a frase seremos rotulados e depostos.


Nosso herói em "Clube da Luta" diz: "Bob me ama porque pensa que meus testículos também foram removidos". Acabamos como ele. Nos mutilamos pra sermos aceitos e dormirmos melhor.